Maio de 1947, nº 46 da revista "Vértice", é o 5º aniversário da revista e nele consta um interessantíssimo artigo de Fernando Lopes Graça intitulado: "SOBRE O CONCEITO DE POPULAR NA MÚSICA".
É o texto de uma "Palestra feita em Évora, na Escola do Grupo de Amadores de Música Eborense, por ocasião do seu 5.° aniversário." pelo compositor Fernando Lopes Graça.
Deste longo texto retiro alguns parágrafos que me parecem particularmente interessantes que diz respeito à ideia de "cultura popular".
"Já agora, deixem-me que novamente toque num assunto a que várias vezes tenho tido ocasião de me referir: a definição do que deve entender-se por «popular», tanto no campo da arte como no da cultura. Para muita gente, «popular» é sinónimo de fácil, de imediatamente acessível, de trivial, se é que não de superficial e inferior."
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"Creio que nunca será demais denunciar este falso conceito do «popular», que não é, nunca foi, o que uma concepção aristocrática da cultura supõe ou adrede inculca. Não: popular não é o mesmo que ordinário e vulgarucho. Quem assim pensa ofende o povo nas suas capacidades de criação e compreensão, que as tem, e grandes, nas suas reservas de emoção, que também as tem e muitas vezes mais profundas do que se julga, na sua sede de cultura, na contribuição que a sua atormentada história tem dado às grandes obras do pensamento e da arte."
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"A qualidade de popular advém-lhes das raízes profundas da sua inspiração, das aspirações largamente humanas que encarnam, das necessidades colectivas que satisfazem, do significado universal que possuem."
"Do que acima fica dito se conclui que de maneira nenhuma podemos assimilar música popular à ladina copla revisteira ou à langorosa canção cinematográfica, aos viras mascarados de rumba ou às «sex-apealescas» cançonetas importadas da América e garganteadas pelas nossas «sex-apealescas» vedetas da rádio. Esta espécie de música nada tem que ver com o autêntico povo, não nasce do seu seio, não corresponde às suas necessidades, não traz a sua dedada. Trata-se, antes, de puros produtos comercialistas, destinados a um público de gosto pervertido, de nulo instinto estético e a quem a música só desperta sensações superficiais, de ordem puramente animal e vegetativa."
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"Infelizmente, o comercialismo também já chamou a si mais esta fonte de receita. A música popular folclórica está-se tornando uma mina para os fabricantes de música dançante e desopilante. As belas e simples melodias que o povo canta de alma lavada, por esses campos e aldeias, nos seus trabalhos ou nas suas festas, estão sendo desvirtuadas, torcidas e inferiorizadas nos inúmeros foxes, rumbas, cançonetas e «arranjos» mais ou menos disparatados ou pretenciosos que fornecem o reportório das orquestras de jazz e os programas dos saraus recreativos radiofónicos. Preciso advertir-vos que não sou adversário irredutível e birrento da chamada música ligeira. Dentro do seu campo, pode esta exercer funções necessárias. Mas o que estou longe é de confundir «música ligeira» com «música popular»."
E já no final apelava:
"E também gostaria de vos aconselhar outra coisa: é que deligenciásseis aumentar sempre o vosso nível artístico, procurando, na medida possível e de acôrdo com os vossos recursos, aproximar-vos da boa arte, cultivando a vossa sensibilidade no contacto dos melhores autores e da melhor música, fugindo da banalidade e empenhando-vos em atingir aquele grau de cultura que, nem por se vos afigurar distante e de penosa consecução, constitui menos a meta ideal para que deverão tender as vossas vontades."
"O Milho da Nossa Terra", canção da Beira-Baixa, é uma das muitas canções populares que Fernando Lopes Graça gravou. Fazia parte do disco "Canções regionais portuguesas" editado em 1970.
Fernando Lopes Graça - O Milho da Nossa Terra
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