sexta-feira, 26 de maio de 2017

Coleman Hawkins - Body and Soul

Textos sobre música na revista "Vértice"




“Na Lei de 1740 do Estado da Carolina do Sul: «No caso de qualquer pessoa perversamente cortar a língua, arrancar um olho, castrar, ou cruelmente escaldar, queimar, ou arrancar um membro a um escravo, ou infligir-lhe qualquer outra punição cruel que não seja açoitar ou bater com um chicote, correia, vergasta, bastão, ou pôr a ferros, ou deter ou prender tal escravo, cada uma dessas pessoas será multada por cada uma das ofensas na quantia de cem libras em dinheiro.»” Assim começa o artigo de título «Sobre a pré-história do Jazz» publicado na revista "Vértice" Nº 274-275 de Julho-Agosto de 1966.








Neste interessante artigo, o autor A. J. Moura Marques, depois de identificar o contexto social da escravatura nos Estados Unidos, conclui que “O Negro americano sentiu necessidade de se exprimir musicalmente na medida em que lhe era necessária essa expressão dum modo vital, para sobreviver e se insuflar de novos ânimos.”

Continua com uma análise sucinta da evolução da música negra-americana, síntese da música popular africana, essencialmente rítmica e fruto de improviso, e da música europeia melódica e harmoniosa, referindo: “Para terminar a caracterização da tradição musical africana, convém referir que a sua escala musical é pentatonal, escala essa onde não existem nem a terceira nem a sétima notas da escala europeia. Desta forma, ao atingir os Estados Unidos, o Negro, posto em contacto com melodias onde essas duas notas, para ele estranhas, apareciam, passou a entoá-las ora no modo menor ora no modo maior ou ainda em gradientes mais subtis.” e concluindo, “…o Negro americano caracterizou uma típica maneira de atacar a terça e sétima notas da escala musical que, por esta forma, passaram a constituir o primeiro produto da reacção travada entre a música popular africana e a tradição musical europeia. Tais notas, denominadas «blue notes» fazem ainda hoje parte do que se poderia chamar «escala musical de Jazz»” dando como exemplo “…a vitalidade que emana dos «blues», é aquilo que torna o «Body And Soul» de Coleman Hawkins diferente da interpretação de um saxofonista tenor de qualquer orquestra comercial”.


E agora, nada melhor que terminar com Coleman Hawkins (1904-1969), o “pai” do saxofone, o saxofonista mais célebre na década de 30. É de regresso aos Estados Unidos, em 1939, depois de ter passado cerca de 5 anos na Europa, que grava a sua interpretação de “Body and Soul”, tornando-a um standard do Jazz.
Disse Coleman: “Nunca hei-de saber porque é que essa gravação se tornou, por assim dizer, um «clássico». Limitei-me a tocar como toco qualquer coisa.” em "Os Grandes Criadores de Jazz" de Gérard Arnaud/Jacques Chesnel.

Tão longe da maior parte das versões de “Body and Soul” que conhecemos, segue em anexo a versão de Coleman Hawkins de 1939, com certeza, com “a vitalidade que emana dos blues”.




Coleman Hawkins - Body and Soul

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