a memória do elefante
1969 foi um ano particularmente importante para a música popular portuguesa, abundavam os cantores de baladas, os chamados baladeiros, cuja simplicidade musical ilustrava textos ditos de "intervenção", tendo como objectivo principal a passagem de uma "mensagem". Para o efeito teve especial importância o programa televisivo "Zip-Zip" ao qual já dei a seu tempo a devida atenção.
A fraqueza musical e muitas vezes das próprias letras era muitas vezes bem notória e já nesse tempo se tinha essa percepção, não fora, por exemplo, a paródia feita por Raul Solnado (ver em https://www.youtube.com/watch?v=xegPr--521M) no próprio "Zip-Zip" ao movimento baladeiro.
O jornal "a memória do elefante" no seu nº 2 de Maio de 1971 assim o recorda: "... os baladistas pegam na viola aprendem três tons e cantam." Mas ia mais longe ao considerar que tal movimento baladeiro promovia "... todo o reaccionarismo fardado de transgressor e todo o revolucionarismo primário, inócuo, fruste, afinal reaccionário, com o sistematicamente e já insignificante «canto para comunicar...», bem radical esta visão ao ponto de serem "... já aceites e tolerados, sem qualquer ofensa ao status quo, que acabavam por prolongar."
Este artigo intitulado "projecto de monumento a Rui Pato" era do ano de 1971, mas anterior à edição dos discos de José Afonso, José Mário Branco e Sérgio Godinho, saídos no final do ano, esses sim revolucionários do nosso panorama musical.
Entretanto, diz o mesmo artigo, seriam "afinal os pioneiros do movimento, os seus cultores e arautos mais inteligentes e inquietos (e inquietantes), a aperceber-se do beco sem saída a que conduzia uma música amusical, o poema divorciado da música, «poema com suporte musical» em vez do «complexo música-poema»", referia-se a José Afonso e Adriano Correia de Oliveira. O objectivo do artigo era sublinhar a importância que Rui Pato teve na colaboração em discos daqueles dois proeminentes músicos. Relembro a participação em álbuns como "Baladas e Canções" (1964), "Cantares do Andarilho" (1968) e "Contos Velhos, Rumos Novos" (1969) de José Afonso (falhou o álbum "Traz Outro Amigo Também" (1970) tendo sido impedido de se deslocar pela PIDE a Londres onde foi gravado) e em "O Canto e as Armas" (1969) e "Cantaremos" (1970) de Adriano Correia de Oliveira.
"Ele é a primeira inteligência musical posta ao serviço da balada" é dito e acrescentado "Com os arranjos e a execução de Rui Pato em Cantaremos, a balada sai do seu grau zero."
Deste álbum recordo "Lágrima de Preta", poema de António Gedeão, música de José Niza, arranjos e acompanhamento de Rui Pato, a voz de Adriano Correia de Oliveira ou como "servir as palavras servindo a música".
Adriano Correia de Oliveira - Lágrima de Preta
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