O melhor do ano de 1974 encontrava-se, para além do vanguardismo que ia dos
Roxy Music a David Bowie, na área que muito genericamente podemos considerar
do Folk-Rock com alguns dos seus protagonistas habituais. Mas mesmo aqui,
alguns deles, e que estão no topo, ainda hoje, das minhas preferências,
ficaram aquém das expectativas. Por exemplo: Tim Buckley.
Tim Buckley (1947-1975) tem em 1974, com "Look at the Fool", o seu último
trabalho, faleceria o ano seguinte de overdose de heroína. Longe se encontrava
musicalmente dos anos e discos de Folk-Rock que o tornaram numa das figuras
mais reverenciadas da música popular norte-americana. Abraçando a partir de
1970 influências do Soul e do Funk não mais voltou, infelizmente, a alcançar o
nível alcançado por exemplo em "Goodbye and Hello" (1967).
Miguel Esteves Cardoso considerava que
"... foram poucos e bons os álbuns de1974" e Tim Buckley tinha
sido uma "desilusão", mesmo assim deu-lhe três estrelas por "Look at
the Fool" aquele que acabaria por ser o seu último álbum.
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Um compositor e uma voz extraordinária que enveredou por um caminho que não
era o dele. Mesmo assim ouça-se "Look at the Fool".
É sabido dos problemas que Eric Clapton teve no inicio dos anos 70 com a droga
e o álcool que o levou ao afastamento dos palcos e das gravações. Depois
do primeiro álbum a solo "Eric Clapton" (1970), só em 1974 voltou aos discos
publicando "461 Ocean Boulevard" o tal que trazia a versão de "I Shot the
Sheriff" (aqui
disponível) e que ajuda a dar impulso no reconhecimento de Bob Marley e do
Reggae em geral.
Três estrelas foi quanto Miguel Esteves Cardoso conferiu a este álbum
referindo-se-lhe:
"... Clapton emerge da apatia com um LP quase fresco que exibe novamente os
seus descansados e agradáveis dotes de guitarra."
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De um dos guitarristas mais famosos do mundo, do qual lamento o seu actual
posicionamento anti-confinamento e anti-vacinação, escolhi a faixa de
abertura, " Motherless Children", um tradicional recuperado e bem por
Eric Clapton.
Num grupo dito Mainstream Miguel Esteves Cardoso colocou três discos todos com
três estrelas, "Veedon Fleece" de Van Morrison que ontem recordei, "The Wild,
the Innocent and the E Street Shuffle" de Bruce Springsteen e um outro que
deixo para amanhã.
"The Wild, the Innocent and the E Street Shuffle" era o 2º álbum de
Bruce Springsteen e editado ainda no ano de 1973, embora Miguel Esteves
Cardoso o coloque nas escolhas de 1974 com a atribuição de três estrelas e
sobre diz:
"Springsteen melhora nitidamente, mas ainda está longe de atingir a
perfeição dos seus álbuns ulteriores. O segundo lado do LP já faz antever a
remática romântica que ele desenvolveria com tanta inspiração e contém
algumas das suas canções mais duradouras - "Rosalita" e "Incident on 57th
Street" serão as mais clássicas."
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Bruce Springsteen em construção, a caminho da glória com trabalhos como "Born
To Run" (1975) e "The River" (1980). Fica a sugerida "Rosalita (Come Out
Tonight)".
Van Morrison está entre os meus músico preferidos de sempre. Entre 1968 e 1974
gravou 7 álbuns que considero imprescindíveis e bem significativos da música
popular daqueles anos. Não tivesse gravado mais nada e mesmo assim teria lugar
na galeria das figuras mais importantes na criação de uma sonoridade
fusionista e renovadora.
Tenho pena de não o ter visto ao vivo neste período de que é testemunho o
álbum ao vivo "It's Too Late To Stop Now" (1974), um dos melhores álbuns ao
vivo que conheço. Vi-o em 1993 no Coliseu do Porto e em 2018 em Cascais e
aquilo que posso dizer é que soube envelhecer, em 2018 melhor que em 1993. Sob
o ponto de vista discográfico não mais deslumbrou, como eu tenho dito por
várias vezes ancorou no porto seguro do Blues e com algumas variações que lhe
são características e por aí ficou.
Adiantado no tempo é quanto parecia estar Miguel Esteves Cardoso ao referir-se
ao álbum "Veedon Fleece" de 1974, já aqui dizia ele
"Van Morrison recusa-se a avançar além do conforto encontrado ..."
atribuindo somente três estrelas a este trabalho.
Edição alemã em vinil de 1989 com a ref: 839 164-1
"Veedon Fleece" tem sido revisto positivamente ao longo dos tempos e parece
ter-se tornado consensual que se encontra entre os melhores álbuns que Van Morrison realizou. Marcou, pelo menos o fim de uma época, Van Morrison só
voltaria a gravar três anos depois com o sofrível "A Period of Transition".
"Bulbs", editado em Single é o que fica para se ouvir, no sossego da noite...
Desde 1972 que se encontram entre as escolhas de Miguel Esteves Cardoso, eram
os Kraftwerk. Sem nunca me terem empolgado tenho que reconhecer que foram
naqueles tempos inovadores e inevitavelmente tinha que os ouvir. Em 1974 era
incontornável a audição dos Kraftwerk e em particular a faixa "Autobahn"
"Autobhan" era também o nome do álbum que incluía o tema, agora numa versão de
mais de 22 minutos que ocupava todo o lado A do LP, para ele Miguel Esteves
Cardoso classificou com três estrelas. Em termos de Singles considera que o
ano é de "I Shot The Sheriff" de Eric Clapton e também "Rebel, Rebel" de David Bowie, mas "O melhor é "Autobahn" dos Kraftwerk...".
Sim, foi em 1974 que a música "robotizada" dos Kraftwerk teve difusão
internacional e que se tornou bastante popular pese a frieza e falta de emoção
que ela transportava. Indiferentes ao Punk e à New Wave que iriam surgir os
Kraftwerk ir-se-iam manter bem à tona da do sucesso com disco como
"Radio-Activity" (1975), "Trans-Europe Express" (1977) e "The Man-Machine" (1978).
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Agora é imaginarem-se a guiar numa auto-estrada a ouvir "Autobahn",
"Wir fahren, fahren, fahren auf der Autobahn".
Lou Reed e David Bowie foram figuras proeminentes da música Rock coom destaque aos primeiros anos da década de 70, os dois com gostos estéticos vanguardistas
ao explorarem sabiamente um Pop-Rock dito decadente. Pontos altos o álbum "Transformer" (1972)
de Lou Reed produzido por David Bowie e o álbum "The Rise and Fall of Ziggy
Stardust and the Spiders from Mars" e respectiva digressão com David Bowie
qual salvador messiânico do agonizante planeta Terra com somente cinco anos
para se salvar.
Para Miguel Esteves Cardoso David Bowie em "Diamond Dogs", ao qual atribuiu três estrelas, "... quer apresentar um mundo destruído, populado por estranhas mutações
humanas, que faz lembrar certas imagens de Chirico e não é de todo estranho
à visão do filme de Kubrick "A Clockwork Orange".
Ambos estavam adiantados no tempo, se "Rock'n'Roll Animal" de Lou Reed era
"... um monumento às intenções da New Wave americana de 77", a canção
"... "Rebel, Rebel" de Bowie constituiria uma espécie de hino tradicional
para a geração dos Sex Pistols...".
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E a canção que ficou deste LP foi, sem dúvida, "Rebel, Rebel" que fica como
sugestão de audição.
Ainda neste grupo de vanguarda, irrequieto que esteve na década 70 em
constante pesquisa/evolução não deixando estagnar pelo êxito inicial mais dois
nomes que editaram no ano de 1974 e incontornáveis na história da música Rock
pós anos 60: Lou Reed e David Bowie.
Segundo Miguel Esteves Cardoso
"Lou Reed e David Bowie regressam à crueza do Rock and Roll, talvez
enfastiados com a indefinição atmosférica dos seus álbuns de 73", recorde-se "Berlin" e "Alladin Sane", "Pin-Ups" respectivamente. Talvez
fossem estes "regressos" que permitiam depois novos avanços, "Coney Island
Baby" para Lou Reed em 1975 e "Station To Station" para David Bowie em 1976.
Lou Reed edita dois álbuns, "Rock 'n' Roll Animal" e "Sally Can't Dance" aos
quais Miguel Esteves Cardoso atribui respectivamente quatro e e três estrelas.
Edição portuguesa em vinil de 1975 com a ref: APL1 0472
"Rock 'n' Roll Animal" é primeiro álbum ao vivo de Lou Reed, composto por
somente cinco faixas, quatro das quais vindas do tempos dos The Velvet Underground e talvez fosse por isso que Miguel Esteves Cardoso escreveu:"... Reed mostra que nunca perdera a sua paixão de adolescente...", mas ao mesmo tempo adiantado no tempo ao considerar
""Rock'n'Roll Animal" um monumento às intenções da New Wave americana de
77".
"Rock 'n' Roll Animal" começa com uma introdução a que se segue "Sweet Jane",
uma das muitas canções que ficaram como marca do génio de Lou Reed. "Sweet
Jane" vinha do 4º LP "Loaded" dos The Velvet Underground já sem a presença de
John Cale. Grande interpretação esta.
Nico (1938-1988) foi uma extraordinária cantora de origem alemã que nos anos
60 fez parte do movimento underground novaiorquino liderado pelo artista Andy
Warhol que a impôs no primeiro álbum dos The Velvet Underground de que foi
produtor.
Depois do seu afastamento dos The Velvet Underground procurou encontrar o seu
próprio estilo,
"Foi durante este período que encontrei Jim Morrison e foi ele que
finalmente me aconselhou a escrever as minhas próprias canções e a
interpretá-las eu mesma, sozinha..." - em "Jim Morrison, para lá dos Doors" de Hervé Muller. Conselho
seguido e eis "Chelsea Girl" (1967), "The Marble Index" (1968) e "Desertshore"
(1970), este último já gravado no seu regresso à Europa. Participa em filmes
de Philippe Garrel mas continua a actuar em público, em 1972 actua
no Bataclan com John Cale e Lou Reed (" Le Bataclan '72", editado em
2004) e em 1974 no Rainbow Theater com Kevin Ayers, John Cale, Brian Eno
("June 1, 1974" de que já dei conta).
E chega-se assim a "The End..." o seu 4º álbum onde marcaram presença John Cale, o
suspeito de costume, e ainda Phil Manzanera e Brian Eno que estava em todo o
lado.
Edição em vinil do Reino Unido com a ref: ILPS 9311
Nas escolhas de Miguel Esteves Cardoso "The End..." teve três estrelas e
escreveu ele:
"Nico, sempre produzida e acompanhada pelo génio distorcido de John Cale,
torna-se cada vez mais prisioneira do seu castelo gótico, cantando o
desfecho da humanidade e da beleza como uma invocação apaixonada à
escuridão. É um romantismo doentio, sufocado pela poesia da sua angústia
interior e Nico será o "anjo azul" dos anos 70. presidindo ao apocalipse
como uma musa caída na desgraça, expulsa do paraíso de outrora. Ferozmente
original, Nico nem sempre sabe conter a sua tendência para o exagero e não
há dúvida que os seus álbuns mais emocionantes (mas menos perturbantes)
datam da década anterior."
"The End" é no original uma canção dos The Doors com uma impressionante
interpretação do grupo e de Jim Morrison em particular, a qual, pensava eu,
não haveria alguém a querer interpretá-la pois seria insuperável. Surpresa
minha, e boa surpresa, quando Nico resolveu inclui-la no seu reportório e
gravá-la dando mesmo nome a este álbum.
Nas escolhas de Miguel Esteves Cardoso Brian Eno marca ainda presença em mais
um álbum, é ele "Fear" de John Cale onde para além de assegurar os
sintetizadores é também produtor, colaboração que se iria prolongar ao longo
do tempo e culminar num álbum conjunto em 1990 com "Wrong Way Up".
Duas figuras importantes na história do Rock e que o colocaram em patamares
bem sofisticados e não acessíveis ao comum dos consumidores.
"Fear" era o seu 4º trabalho a solo, seguindo-se ao belíssimo "Paris 1919", e
sobre ele Miguel Esteves Cardoso considera que
"... embora excessivamente indulgente e completamente destituído de
qualquer perspectiva crítica, dá uma ideia convincente da irrequieta
imaginação e inteligência de ambos", fica-se pelas três estrelas.
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A originalidade da música de John Cale era evidente desde os primórdios dos
The Velvet Underground e prolongou-se na sua carreia a solo. "Fear" é disso
evidência e embora nem sempre se adira facilmente foi um disco subestimado no
seu tempo.
"Fear Is A Man's Best Friend", um grande tema, uma amostra da genialidade
de John Cale.
John Cale - John Cale - Fear Is A Man's Best Friend
A presença de Brian Eno prolonga-se para o Regresso ao Passado de hoje num álbum gravado ao vivo e que
teve como principais protagonistas, para além dele próprio, John Cale, Nico e
Kevin Ayers, mas também por lá passaram como convidados especiais Mike Oldfield e Robert Wyatt.
A ideia inicial terá partido de Kevin Ayers que convidou Nico e por tabela
John Cale, os dois ex-The Velvet Underground da formação inicial. John Cale
encontrava-se a gravar com Brian Eno e vai daí este também participa no
concerto. Já Robert Wyatt era bem conhecido de Kevin Ayers dos seminais Soft Machine onde militaram nos anos 60 e o jovem Mike Oldfield que fez parte da sua
banda, The Whole World, em 1970. E assim a 1 de Junho de 1974, data que deu
nome ao álbum, "June 1, 1974", realizaram este concerto, no Rainbow
Theatre em Londres.
Edição em CD de 1990 com as refs: IMCD 92; (842 552-2)
Miguel Esteves Cardoso considerou o
"... concerto desigual mas refrescante..." e deu-lhe somente três
estrelas o que correspondia a "bom".
Num tempo em que o Rock se desenvolveu muito além das suas fronteiras iniciais
e se aventurou na exploração de novas sonoridades e que acabou por ficar
conhecido por Rock de vanguarda ou experimental, os músicos que participaram
neste concerto tiveram boa parte da responsabilidade na sua elaboração e
divulgação.
Para ouvir pode ser "Baby's on Fire" um tema de Brian Eno e que fazia
parte do seu primeiro álbum a solo, " Here Come the Warm Jets", também de
1974.
Kevin Ayers, John Cale, Eno, Nico - Baby's on Fire
O ano de 1974 teve nos Roxy Music e seus derivados uma forte presença. Roxy Music com "County Life", Bryan Ferry com "Another Time, Another Place" e Brian Eno com os dois primeiros álbuns a solo estão aí para o demonstrar.
Brian Eno fez parte da formação inicial dos Roxy Music e com eles gravou os
dois primeiros LP respectivamente "Roxy Music" (1972) e "For Your
Pleasure" (1973) onde foi marcante no estabelecimento da sonoridade do grupo.
Ainda em 1973, em conflito com Bryan Ferry na liderança do grupo, abandona os
Roxy Music e inicia carreira a solo tornando-se igualmente um produtor
destacado.
Em relação aos dois primeiros discos de Brian Eno disse Miguel Esteves
Cardoso:
"Depois do desapontador "Warm Jets", "Tiger Mountain" é uma série de
divertimentos electrónicos de curiosa transparência e beleza"
atribuindo-lhes respectivamente três e quatro estrelas.
CD com a ref: EGCD 17
"Taking Tiger Mountain (By Strategy)" é o nome completo do 2º álbum, é
extraordinariamente homogéneo e original e começava assim:
Brian Eno - Burning Airlines Give You So Much More
Meses antes de "Country Life" dos Roxy Music ter sido editado publicava Bryan Ferry o seu segundo LP a solo "Another Time, Another Place"
Neste segundo trabalho Bryan Ferry continua, no seguimento de "These Foolish
Things" (1973), na via das versões mostrando outra faceta menos vanguardista
que caracterizava a música dos Roxy Music.
Para Miguel Esteves Cardoso em 1974
"Bryan Ferry entrega-se livremente às suas baladas ironicamente
sentimentais, tanto em "Country Life" como no seu álbum a solo. Está
completada a imagem suave e superficial do "gigolo" com um coração de ouro -
vivendo num mundo hiperbolicamente luxuoso, populado por caricaturas de
smoking e de cigarreira e criaturas "divinas" com sorrisos frágeis." e atribui somente três estrelas ao seu disco a solo.
Edição holandesa com as refs: 0 777 7 86530 2 8; EGCD 14
Num conjunto bem conhecido de canções sobressaía a versão de "Smoke Gets in
Your Eyes" uma canção da década de 30 e grande êxito na versão dos The Platters no final dos anos 50. Lembro-me da sensação estranha que tive ao ouvir
Bryan Ferry na linha da frente da música Rock a interpretar uma canção tão
antiga quanto esta.
Deliciemo-nos com este "Smoke Gets in Your Eyes", com Bryan Ferry e a sua peculiar voz.
Sofisticação, será um bom termo para definir boa parte da nova música que se
desenvolveu nos primeiros anos da década de 70 e que teve nos Roxy Music um
dos principais protagonistas. Etiquetada de Glam-Rock, mais ligada ao visual
do grupo, ou de Art-Rock mais condizente com o experimentalismo musical e
vanguardismo artístico que desenvolveram.
Em 1974 é publicado o quarto álbum de originais dos Roxy Music de nome
"Country Life" e era mais um trabalho de excelência a mostrar caminhos que o
Rock podia e devia ter continuado a explorar.
Para Miguel Esteves Cardoso, que deu quatro estrelas, considerou então que
"Os Roxy deixam de ser uma banda para servir de veículo para as vinhetas
hollywoodescas de Ferry" o que não me parece de todo razoável e a aceitá-lo então teríamos que
recuar logo ao início do grupo, não foi sempre Bryan Ferry o líder do grupo e
o escritor de praticamente todas as canções? E teria necessidade de já ter
dois álbuns a solo?
Edição portuguesa com a ref: 2310 539, preço:430$00, aprox.
2,15€
A capa bem arrojada teve problemas nos EUA tendo sido alterada conforme
informação em https://www.discogs.com/:
Igualmente de acordo como mesmo sítio, as duas modelos constantes na capa
original terão sido encontradas por Bryan Ferry em Portugal ...
Questões à parte o inegável é a qualidade com que eramos presenteados por mais
este trabalho, o 4º em pouco mais de dois anos. E agora deixemo-nos de apartes e vamos
ao que interessa, ouça-se "All I Want Is You".
Burning Spear, nome importante da música Reggae que ainda não tinha conhecido
passagem nestes meus Regresso ao Passado.
Mais um nome a juntar-se aos consagrados Bob Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh.
Jamaicano de nascimento de nome real Winston Rodney, emergiu na cena musical
do seu país ainda no final dos anos 60 mas a primeira gravação surge somente
em 1973.
É em 1975 com o 3º LP, "Marcus Garvey", que ganha reconhecimento
internacional. Está entre as escolhas de Miguel Esteves Cardoso mas coloca o disco em 1974, para o
efeito isso pouco importa, atribui-lhe cinco estrelas e sobre ele diz:
"A afirmação mais contundente e expressiva do Rastafarianismo de sempre,
impregnado duma religiosidade rebelde e estimulante. As canções "Marcus
Garvey", "Slavery Days", "Jordan River" e "Resting Place" são hinos
clássicos à visão mítica de Garvey."
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Marcus Garvey (1887-1940) foi um destacado nacionalista negro jamaicano,
referência do movimento Rastafari de que Burning Spear era adepto. Segue a
faixa de abertura a homónima "Marcus Garvey".
Nas escolhas de 1974 de Miguel Esteves Cardoso aparecem dois autores cujos
discos constam em "Outros" ou seja algo que vai do Soul ao Reggae e que não se
enquadravam nas outras categorias por ele identificadas, são eles Stevie Wonder e Burning Spear.
Quanto a Stevie Wonder Miguel Esteves Cardoso referia-se a dois LP
"Innervisions", com quatro estrelas, e "Fulfillinguess' First Finale", com
três estrelas. O primeiro era efectivamente de 1973 mas identificava os dois
pois "...têm pontos de contacto evidentes", em relação a "Innervisions"
dizia:"...representa a destilação conseguida do eclecticismo de Wonder, que se
utiliza de influências Soul, Pop e Reggae duma forma efectiva e poderosa", já
"O segundo é exageradamente místico, pretensioso até, embora redimido por
canções como "Bird of Beauty" e "Boogie on Reggae Woman"."
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De um Stevie Wonder, de um período super produtivo, escolho do álbum menos
acessível "Fulfillinguess' First Finale" uma bonita canção que não foi das
mais conhecidas, "Too Shy to Say".
É sabido, o Rock dito sinfónico teve na primeira metade da década de 70 o
seu apogeu. Van Der Graaf Generator, Genesis, Yes, Gentle Giant são alguns
exemplos dos que tiveram naqueles anos o seu período mais fértil e inovador.
Mas rapidamente o género saturou e muitos deles entraram num irreversível
declínio ou mesmo extinção.
Miguel Esteves Cardoso dá conta disso no seu texto "O Ovo
e o Novo (uma) Discografia duma Década de Rock: 1970-1980" como ontem dei
conta. Aponta mesmo o ano de 1974 como o ano do
"... fim do Rock sinfónico como força criativa" e considera "The
Lamb Lies Down on Broadway", o álbum duplo dos Genesis nesse ano editado,
como "... o único álbum escapatório...".
Considerava ainda que
""Lamb Lies Down on Broadway", publicado em 1974, embora enriquecido por
momentos de puro êxtase musical (como The Carpetcrawlers"), caiu vítima
das suas próprias pretensões, por muito louváveis que tenham sido."
Edição nacional de 1985 com a ref: 630205
Apesar de tudo e passados 47 anos da sua edição o álbum parecer ser
bastante equilibrado e ouve-se e redescobre-se com renovado prazer. Eram
os Genesis na sua melhor formação antes da saída de Peter Gabriel.
Fica então para ouvir essa ainda maravilha que era "The Carpet Crawlers", a
canção mais bonita de 1974?
Continuo com o ano de 1974, depois de revermos alguns temas da música por cá
feita naquele ano é, agora, a vez da música Pop-Rock anglo-americana. Qual o
estado da arte em 1974, depois da surpreendente década de 60 e ainda do
experimentalismo dos primeiros anos da de 70?
Para dar corpo a este e próximos Regresso ao Passado nada melhor que
socorrer-me de Miguel Esteves Cardoso e de voltar ao seu texto "O Ovo e o
Novo (uma) Discografia duma Década de Rock: 1970-1980". Começo por lembrar
que Miguel Esteve Cardoso comparava os anos 70 a uma curva de Gauss, ou seja era musicalmente em forma de U, sendo os pontos altos os anos de 1970 e 1980. Assim sendo não
é de esperar muito do ano de 1974, pelo menos na quantidade a que estávamos
habituados.
Começando pelo dito Rock de Fusão dizia Miguel Esteves Cardoso:
"1974 assinala o fim do Rock sinfónico como força criativa. É significativo
que o acontecimento do ano seja a reedição de dois álbuns de 67 e 68 dos
Pink Floyd, sob o título "A Nice Pair". Enquanto os Yes desgastam a mais
tenaz das paciências com "Tales from Topographical Ocean", os Tangerine Dream reinventam o tédio com "Phaedra e Mike Oldfield
mostra as suas limitações em "Hergest Ridge", o único escapatório é "Lamb
Lies Down on Broadway" dos Genesis, por muito inferior que seja ao
anterior" (o excelente "Foxtrot").
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Os Yes eram um dos meus grupos preferidos do chamado Rock sinfónico, a par
dos Gentle Giant e Genesis, mas a partir deste álbum cortei com a sua música, na realidade deixei de ter "paciência" para temas tão longos e bem menos estimulantes dos de álbuns anteriores,
"Close To The Edge" por exemplo.
De qualquer modo são bem relevantes de um tempo em que na nossa rádio
se podia ouvir, por exemplo "Ritual - Nous Sommes Du Soleil" com mais de 20 minutos sem
interrupções.
Assinale-se neste álbum a entrada de Alan White para a substituição de
Bill Bruford na bateria e o fim por algum tempo das megalomanias de Rick
Wakeman ocupado com viagens ao centro da terra e os mitos do rei Artur.
Para os resistentes, aqui fica "The Revealing Science of God" e os seus
mais de 20 minutos.
Yes - The Revealing Science Of God
(Nota: Na realidade editado em finais de 1973, por cá só me recordo de o ouvir já em 1974.)
E chego ao fim desta passagem por alguma da música que marcou a produção
nacional no ano de 1974. E para terminar só podia ser com José Afonso, o nosso expoente máximo na renovação da música popular portuguesa
encetada no início dos anos 60.
Longo tinha sido o percurso que José Afonso tinha desbravado. O fado de
Coimbra tinha sido renovado, o movimento das baladas desenvolvido e a evolução
para sonoridades mais complexas e algum experimentalismo, sem abandonar as
raízes populares, faziam-se sentir, ouça-se "Cantigas de Maio" (1971) ou
"Venham Mais Cinco" (1973).
E chegamos ao ano de 1974 onde José Afonso teve participação activa ao
calcorrear o país no chamado "Canto Livre", muitas das vezes desprovido do
mínimo de condições técnicas para actuação. A canção veio para a rua e
acompanhou o processo revolucionário então em curso tornando-se muitas das
vezes simplista e panfletária. Não foi esse o caso de José Afonso com o álbum
"Coro dos Tribunais" gravado no final do ano em Londres com a colaboração de
nomes como Fausto, Adriano Correia de Oliveira, Carlos Alberto Moniz, Vitorino
e José Niza.
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Fico logo com o tema inicial, o que dá título ao álbum, mais uma pequena
maravilha de José Afonso. Numa altura em que musical e politicamente se
vivem novos tempos com protagonistas menos interessantes é urgente manter vivo
o legado de José Afonso, eis "Coro dos Tribunais".