Faleceu, hoje, aos 85 anos Ornette Coleman um músico ímpar na história do Jazz.
À memória de Ornette Coleman fica esta recordação: Ornette Coleman nas páginas da revista "Vértice" em 1965.
A literatura musical no Portugal dos anos 50 e 60 do século passado era muito rara para não dizer nula. Revista ou outra qualquer publicação com edição regular dedicada à crítica e divulgação musical era, ao que julgo saber, praticamente inexistente ( a excepção terá sido a “Gazeta Musical” editada em 1951 pelo Fernando Lopes Graça) ou de divulgação muito reduzida. A crítica e análise musical circunscrevia-se pois a artigos esporádicos na imprensa escrita.
Mesmo revistas como a “Vértice”, com publicação iniciada em 1942, que reclamava ser uma «revista de cultura e arte» só a espaços aparecia algum texto sobre a actualidade musical, normalmente em artigo assinado por Fernando Lopes Graça.
Daí a satisfação, como encontrar um oásis no deserto, de descobrir um artigo de Jazz no Nº 267 da revista “Vértice” de Dezembro de 1965. O artigo intitulado “Tentativa de um diálogo impossível com Ornette Coleman” resulta de uma entrevista feita por Júlio C. Acerete a Ornette Coleman (1930-2015) de passagem por Barcelona.
Começa o artigo por afirmar:
“Ornette Coleman é o homem do jazz atonal. O homem que levou esta música às suas últimas experiências, ou que , pelo menos, parece ser o músico mais característico do que é hoje o jazz de vanguarda. Os críticos sentem-se desconcertados perante as suas audácias e as opiniões dividem-se de forma maniqueista tanto a favor como contra. Um disco seu, intitulado «FREE JAZZ», levantou as mais desencontradas polémicas. Porém, não é só isto que nele há de excepcional, pois existem outros pormenores, tais como a originalidade do facto de utilizar um saxofone de plástico, além de não ter quaisquer dúvidas em empregar também, com o maior à-vontade, instrumentos tão dispares como a trompete e o violino.”
E continuava num tom mais crítico
“Afectação, sinceridade e talento musical combinam-se numa estranha amálgama que explica bastante bem, a meu ver, o desconcerto de certos sectores da critica perante as «genialidades» deste músico, sem dúvida fora de série, mas discutível sob todas as perspectivas musicais.”
Quanto à entrevista esta é, como o reconhece o entrevistador, desconcertante com Ornette Coleman a não dar as respostas que ele concerteza gostaria de ouvir, por exemplo:
“— Que pensa pessoalmente da música atonal?
— Nada. Não creio que haja géneros musicais. Há bons músicos e maus músicos. Mais nada.
— A atonalidade e a improvisação, qualidades inerentes à sua música e ao jazz, respectivamente, parecem, sob uma base teórica, rechaçarem-se mutuamente. Acha que é assim?
— Não. Só é impossível o que nunca foi tentado.
— Crê que a sua música está de algum modo enraizada nos princípios do folclore afro-americano?
— Toda a música é folclore.
— Que razões teve para adoptar um instrumento de plástico? Espectacularidade? Questões técnicas? Factores psicológicos?
— Não, não... simples razões de economia. Os instrumentos de plástico são mais baratos.”
E ainda:
“— Pode dar-me a sua opinião sobre colaboradores seus de outros tempos, como, por exemplo, Don Cherry (trompete)...
— Excelente.
— Freddy Hubbard (trompete)...
— Excelente.
— Eric Dolphy (clarinete)...
— Excelente...
— Scott La Faro (contrabaixo)...
— Óptimo.
— Ed Blackwel (bateria)...
— Excelente.
A loquacidade de Ornette é desconcertante, como posso comprovar uma vez mais. Mas insisto, pois é meu dever:
— Qual é a sua opinião sobre Miles Davis?
— Excelente.
— E sobre John Coltrane?
— Excelente...
— E sobre Charlie Mingus?
— Excelente.”
Desistindo da entrevista acaba o artigo acusando-o de “complexo racial” e que “…é evidente que Ornette Coleman não possui uma grande inteligência, e não creio tão pouco que seja o pioneiro do jazz atonal, apesar de ser negro e de ser pródigo em emitir notas tritonais com um som áspero e sujo. É simplesmente um músico com uma grande imaginação intuitiva, que descobriu a oportunidade de ludibriar os brancos.”
Tudo isto fica de pretexto para recuarmos a 1958 e à primeira gravação de Ornette Coleman, o álbum “Something Else!!!!”.
Para ouvir “Invisible”, o tema de abertura.
Excelente!
Ornette Coleman para ouvir sempre!
Ornette Coleman - Invisible
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